O Plano Perfeito
Deveria ser Abril ou Maio de 2020. Já faz um tempo que não estive em paz. Já faz um tempo que o dinheiro não tem sido estável na casa. Mesmo estando em dois trabalhos no mesmo dia, as despesas vem se acumalando mais e mais. Ainda mais com Maria falando e reclamando no meu ouvido o tempo todo. Mesmo quando ela não está reclamando comigo, eu sinto sua seu olhar julgador. Talvez a única coisa que ela realmente goste é aquele maldito gato branco dela. Mas tenho um plano que resolverá ambos os problemas.
Maria tem um investimento alto no seu seguro pessoal. Alto o suficiente para acabar com todas as despesas acumuladas da casa. E se eu me livrasse da pessoa que matraca no meu ouvido, talvez uma paz de mente também viria.
Estava começando a entardecer e Maria estava assistindo televisão na sala e eu estava liberado do meu trabalho noturno hoje. Com isso, sabia exatamente o que fazer. Passei na cozinha, peguei uma faca bem afiada e fui em direção da poltrona onde estava Maria. Quando estava chegando na sala, já conseguia ouvir aquela matraca inquietante: “João você desceu com…”. E sem mesmo deixar ela terminar, segurei a cabeça dela e cortei rapidamente as bochechas dela! E antes dela gritar, eu também cortei o pescoço dela. Sangue saiu para todo canto e ela cai morta em frente a televisão, em cima do tapete. A sujeira era tanta que, com certeza ela teria reclamado, mas agora ela não iria reclamar de mais nada. E foi de tamanha habilidade a execução que apenas o gato, que estava sentado na porta da cozinha, viu o ato.
Eu sabia que tinha eu agir rápido, então arrastei o corpo para o porão e o deixei ao lado da minha pá. Eu precisaria dela mais tarde afinal de contas. Depois que deixei Maria no porão, peguei um esfregador e um balde. Não podia deixar a sala do jeito que tava. Comecei a limpar o sangue do piso e da parede, assim como da televisão. Por incrível que pareça, a poltrona estava intacta. Como tapete e minhas roupas estavam encharcadas, eu coloquei ambos juntos ao corpo. Iria me livrar de tudo aquilo ao mesmo tempo. Depois que limpei a faca, eu dei uma olhada na sala. Parecia que não tinha acontecido nada lá. Tudo estava de acordo com o plano e com minha mente tranquila, cochilei um pouco na mesma poltrona onde Maria estava sentada antes.
Algumas horas mais tarde, ouvi um barulho alto. Acordei com um susto e vi que as luzes da casa estavam piscando. Provavelmente era apenas um trovão. O gato estava deitado no meu colo e estava ronronando. Talvez ele também não aguentava mais conviver com a Maria e estava me agradecendo. Ou talvez estava imaginando coisas. Ainda assim, eu gostava do gato. Ele era muito carinhoso e conseguia admirar isso nele.
Mas ainda assim, eram o que? Nove horas da noite? Talvez 10? Tinha ainda que enterrar Maria e avisar que à polícia que ela desapareceu. Tirei o gato do meu colo e levantei da poltrona. Assim que estava indo em direção ao porão, ouvi uma voz: “Eu sei o que você fez João”.
“Quem disse isso?” perguntei. Era impossível alguém ter visto, apenas eu e Maria estávamos em casa e Maria não fez som algum para chamar atenção de outra pessoa da vizinhança.
“Aqui embaixo” disse a voz misteriosa. Olhei de onde estava vindo a voz e apenas vi o gato se esfregando nos móveis. Ele olhou de volta por um momento: “Preciso me repetir João?” ouvi a voz de novo.
Pensei comigo mesmo que era um absurdo o que minha mente estava sugerindo. “Não é nada absurdo João, eu vi exatamente o que você fez.”, o gato falou enquanto olhava para mim.
Eu estava me distraindo. Tinha um trabalho a ser feito e não era a hora de distrações. Enquanto estava indo em direção do porão, o gato esfregou-se na minha perna e disse: “Eu vi o que você fez João. E você sabe muito bem que não irá conseguir escapar.”.
“Calado! Era perfeito! Não tem como dar errado!” eu respondi o gato.
“Ah mas tem sim João. Não se preocupe. No tempo certo você irá ter o que você merece”
“Ora seu…!” e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, eu ouvi a campainha. “Mas quem poderia ser a essa hora da noite? Fique aqui que eu já volto seu bicho desgraçado.” falei para o gato. Ele apenas olhou de volta e foi andando para a cozinha
Fui em direção da porta. “Só um minuto” eu disse enquanto destrancava a porta. Quando abri, dois policiais estavam na porta. Imediamente meu coração pulou uma batida. Eles não poderiam saber. Será que o gato contou para eles? “Olá senhores, no que posso ajudar nessa noite?”
“Olá João, temos uma encomenda para pegar com a Maria. Ela está em casa?” disse um dos policiais
Eu esqueci que Maria estava vendo doces para conseguirmos um dinheiro extra. “A essa hora da noite?” perguntei.
“Sim. É o aniversário do chefe amanhã e esse é o único horário que não estaríamos no trabalho. Inclusive viemos de lá agora.”
“Ah entendi.” respondi o policial. “Eu até iria chamar ela mas ela não está em casa no momento. Inclusive estou muito preocupado. Ela não costuma chegar tão tarde.”
“Que estranho.” disse o outro policial. “Ela disse que estaria em casa.”
“E ela geralmente está. Vocês querem entrar para tomar uma xícara de chá? É o mínimo que poderia fazer pelo inconveniente.”
“Ah iremos aceitar sim. Hoje foi um dia trabalhoso” disse um dos policiais.
“Que ótimo! Por favor entrem!” Guiei os dois em direção da cozinha. Apesar de ser inconveniente, já podia mostrar que Maria tinha “desaparecido”. Tudo estava indo perfeitamente de acordo com o plano. Mas tenho não posso ficar desleixado. Os policiais não podem chegar perto do porão porque com certeza sentiriam o cheiro. E aquele gato maldito, seja lá onde estivesse, não podia falar com os policiais, senão meu plano iria ser todo em vão.
Eu e os policiais chegamos na cozinha. Os dois se sentaram na mesa pequena que tinha lá e eu comecei a procurar o bule. E percebi que não estava em lugar nenhum. “Está tudo bem João?” perguntou um dos policiais.
“Sim, eu só não estou conseguindo achar o bule.” Lembrei que Maria as vezes descia com vasilhas para o porão, quando tinha vasilhas demais na cozinha. Maldita Maria. Até depois da morte me atrapalha. “Deve estar no porão. Eu já volto”
Saí da cozinha e fui para o porão. Descendo as escadas, vi o bule em cima do tanque. Saindo das escadas, fui em direção ao bule e o peguei. Quando olhei para trás, tinha um problema. Onde estava Maria?
Desesperadamente procurei pelo porão. O tapete estava lá. Mas Maria e a pá não estavam. “Perdeu alguma coisa João?” o gato disse sentado na escada. Ele tirou Maria de lá? Seria impossível.
“Seu miserável”. Mas antes que eu pudesse pegá-lo, ele subiu as escadas rapidamente. Agora estava tudo perdido. Onde estava Maria? Ela poderia estar em qualquer lugar da casa. Poderia ela estar viva? Não. Impossível. Mas não tinha tempo a perder. Peguei o bule e voltei à cozinha.
Quando cheguei na cozinha, vi o gato se esfregando nos policiais,provavelmente se preparando para falar do corpo de Maria e onde ele está. “Ele é uma gracinha não é mesmo?” disse um dos policiais. “Com certeza” respondi encarando e intimidando o gato enquanto esquentava a água para o chá.
Quando o chá estava pronto, servi-o para ambos os policiais e sentei na mesma mesa que eles. O gato ainda está lá. Aquele cretino. “Quando foi a última vez que viu Maria?” perguntou um dos policiais.
“Hoje mais cedo acredito que as três horas da tarde.” eu disse. “Ela saiu mas ainda não voltou e nem deu notícia”
“Muito estranho.” disse o outro policial
Ambos os policiais terminaram o chá e foram indo para porta. “Vamos fazer uma ronda pelo bairro e procurarmos ela ou pistas de onde ela foi.” disse um deles.
“Muito obrigado senhores. Estou muito preocupado.” eu fechei a porta. “Onde está aquele maldito gato?” pensei comigo mesmo.
“Ei João, você parece preocupado. O que está passando na sua cabecinha?” disse o gato na cozinha.
“Onde está ela?!!” falei enquanto ia em direção à cozinha
“Eu não sei. Você que disse que era perfeito.” disse o gato enquanto ele rolava no chão e mostrava a barriga. “Onde está o corpo João?”
No momento em que ele falou isso, minhas veias se encheram de ódio e peguei uma faca que estava em cima da mesa da cozinha. O movimento foi muito rápido e acabou assustando o gato, que em menos de um segundo já estava em pé e saiu correndo para fora da casa. Eu ia persegui-lo e eliminá-lo. Ninguém podia saber o que eu fiz. Até que ouvi um barulho.
Era o barulho de um vaso quebrando, e vinha do segundo andar. Alguém entrou na casa! E poderia achar o corpo! Tinha que agir rápido. Tinha uma revólver escondido no móvel da sala. Rapidamente o peguei e subi em direção ao segundo andar.
Enquanto subia a escada, eu ouvia passos. O intruso deveria estar tentando se esconder. Tinha que eliminá-lo o mais rápido o possível. Primeiro chequei o banheiro. O único lugar que ele poderia estar era atrás da cortina do banheiro, mas ele não estava lá.
Fui então ao quarto que pertencia a mim e, se estivesse viva, à Maria. Entrando no quarto, eu encontrei o vaso quebrado. Os pedaços estavam caídos ao lado da cama de casal. Primeiro verifiquei o guarda-roupas. Assim que abri dei um passo para trás e apontei a arma para dentro do guarda-roupa. Mas havia apenas camisas, calças e coisas que se guardam nestes móveis. Decidi olhar no banheiro do quarto. Era muito menor que o outro banheiro e só possuía uma privada. Quando olhei não tinha ninguém lá. Decidi então olhar embaixo da cama, e não havia nada além de poeira e pedaços do vaso quebrado. Então eu sabia que o intruso só poderia estar em um local. O quarto de visitas. Sabendo disso, levantei-me rapidamente mas quando olhei para a porta, havia um vulto na frente dela.
Eu não conseguia ver seu rosto, então gritei: “Eu tenho uma arma! Saia daqui senão eu atiro!” mas o vulto não se moveu. Ele parecia estar segurando algum objeto que eu não conseguia identificar. “Solte o bastão e saia da minha casa! É a última vez que eu aviso!” gritei novamente. Mas desta vez, o vulto se aproximou. A luz da lua o iluminou e foi aí que eu vi seu rosto. Um rosto com ambas as bochechas cortadas e abertas, o corte no pescoço. Era Maria, com uma expressão de ódio em seu rosto! E ela estava segurando a pá!
“Mas é impossível! Eu te matei!” gritei desesperadamente. Então Maria, com a pá em sua mão, veio em minha direção. “Não!” atirei “Não se aproxime!” mas ela não teve nenhuma reação à ele. Atirei novamente. Nenhuma reação. “O que está acontecendo?!!” eu descarreguei o revólver inteiro nela mas não houve nenhuma reação e quando eu vi, era tarde demais.
Maria me acertou com a pá na cabeça, e acabei sendo jogado no chão. Maria me virou de barriga para cima e com uma fincada forte da pá, ela arrancou uma perna minha fora. Eu gritei alto. Aquela dor era a dor mais inimaginável que eu já sentira e ainda assim a senti novamente pois Maria arrancou com a pá a outra perna. Tentei me arrastar para fora do quarto, mas assim que me virei vi o gato sentado em frente à porta, e ele estava me encarando. Com aqueles enormes olhos. Eu tentei me arrastar em direção da porta mas com um golpe fatal, Maria me arrancou um braço. Eu estava perdendo muito sangue e acabei desmaiando, sendo que a última coisa que eu vi foi o gato olhando de volta para mim. E então escuridão.
Quando abri os olhos, eu estava enterrado. Apenas com a cabeça pra fora. Não conseguia sentir nenhuma parte do meu corpo. Eu estava amordaçado. Não sabia onde estava, até eu ver as mesas e as ferramentas nas paredes. Estava no galpão do quintal. Eu vi Maria. Não conseguia ver o seu rosto, mas sabia que era ela. “Vamos ver como você se sente quando está enterrado.” ela disse. E fechou a porta do galpão. Ouvi um clique de um cadeado e sabia que acabou. O meu plano perfeito para resolver tudo. Não iria acontecer.