Lizard — King Crimson
Lizard é o terceiro álbum da banda de rock progressivo King Crimson. Ele foi lançado em 1970 e distribuído pela Island Records no Reino Unido e pela Atlantic Records nos EUA.
King Crimson é uma banda fundada em 1968 por Robert Fripp, Michael Giles, Ian McDonald, Peter Sinfield e Greg Lake. O grupo se juntou e lançou o álbum In the Court of the Crimson King, que causou um rombo no universo musical da época por conta de suas composições pouco ortodoxas, suas misturas de jazz, avant-garde e psicodelia, e o uso de um instrumento criado na época, o mellotron. Porém, após um tour pelos EUA promovendo o álbum, boa parte dos membros abandonaram o grupo para formar outros projetos, sendo o mais conhecido deles Greg Lake em Emerson Lake & Palmer. Porém, Fripp sentiu que ainda poderia fazer coisas novas com o projeto e decidiu continuar com a banda, sendo seu único membro recorrente. Usando os mesmos princípios do In the Court of the Crimson King, Fripp continuou a fazer álbuns e músicas experimentais, lançando vários outros álbuns de grande influência, como Discipline, Red e Larks’ Tongue in Aspic, cada um com uma formação diferente.
Eu tenho uma relação de amor e ódio com King Crimson. Ao mesmo tempo que ele possui obras que me afetaram de grande forma, como os mencionados antes In the Court of the Crimson King e Red, há nesses próprios álbuns momentos que preciso de alta resistência para presenciá-los, como as músicas Moonchild e Providence, no qual poderiam ser descritas como “barulhinhos”. Acho até antiquado chamá-los de uma banda de prog, já que possuem uma vibe muito mais experimental do que tudo. King Crimson se destaca de outras bandas do gênero, graças à sua completa imprevisibilidade do que irá fazer em cada álbum, enquanto outros grupos, mesmo indo para caminhos incomuns, possuíam uma fórmula que usavam. Há situações, em que King Crimson já se apresentou com buzinas e utensílios de cozinha, e em outro instante, havia tanto silêncio durante uma improvisação de um show que o próprio Fripp começou a bater com o seu sapato no chão para acabar com a abstinência de som. Mas mesmo com esses detalhes, ainda tenho muito interesse em conhecer mais obras da banda, o que nos leva ao álbum de hoje: Lizard.
O primeiro detalhe a ser notado aqui é que as bases das canções dessa vez vem de dois lugares distintos: jazz e música medieval. Vários instrumentos e composições presentes não deveriam funcionar em teoria, mas se casam muito bem. A bateria furiosa de Andy McCulloch entra em direto conflito com o violão de Fripp que é tocado melodicamente e de maneira suave, lembrando até mesmo um bandolim. Apesar de eu achar o uso de histórias e sons medievais algo meio datado e até mesmo pouco “progressivo” para o gênero (exemplos seriam The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table do Rick Wakeman e The Power and Glory do Gentle Giant), não é algo que me incomodou musicalmente aqui. As letras, apesar de contarem uma história interessante, não me atraiu tanto quanto a forma de que elas foram apresentadas. A performance de Gordon Haskell é comparável a um feiticeiro ou o ancião do vilarejo lhe contando histórias de uma criança assistindo uma fantástica apresentação de circo, sendo algo muito único e memorável. A psicodelia também não foi deixada de lado, com o mellotron ficando um pouco mais no banco de trás do que nas outras obras do Crimson. Ele tem seus momentos de destaque ali e aqui, mas em geral o instrumento cria mais uma ambientação psicodélica do que necessariamente ser a atenção principal, fazendo um papel muito importante para todo o álbum. A junção de todos esses sons não é feito justiça nesse texto, sendo algo que apenas ouvindo para ser descrito, mas ele possui um fator tão hipnotizante, capaz até mesmo de questionar o que está acontecendo na sua realidade.
A estrutura das músicas é bem pouco convencional. A canção Cirkus, por exemplo, até começa de forma mais leve, mas rapidamente entra no jazz do século 15 que o resto do álbum possui. Apesar de ser altamente improvisional, e até mesmo fritação para alguns, o álbum ainda possui uma estrutura, embora seja um pouco mais solta. Isso faz com que as canções tenham meio que um “caos controlado”, algo que amo muito quando se trata de prog, mas que pode facilmente virar apenas… caos. Claro que não são todas as canções que possuem isso. Quando se chega na música Lady of the Dancing Water, a confusão é substituído por algo muito mais sereno. Ela possui apenas voz, violão e flauta, tocada maravilhosamente por Mel Collins. Ela é uma linda canção e, apesar de fazer uma transição perfeita à última música do álbum (que falaremos mais tardiamente), acredito que o fato de ter sido introduzida quase como um corte, te deixando bem desconfortável. Mas não de uma maneira intrigante e inesperada, mas sim porque dá uma atrapalhada no flow. Sua cabeça ainda tá na confusão de antes, e quando a canção te puxa do nada para algo muito mais calmo, sua mente ainda está no caos, no que posso chamar apenas de delay. Mas, como disse, Lady ainda é uma ótima música, e isso é uma crítica bem mínima.
A mixagem é, assim como o resto, completamente não ortodoxa, até mesmo pra época. Quando o sistema estéreo surgiu, muitos artistas e produtores ainda estavam tentando achar o chão de como utilizar essa recente nova descoberta, inclusive se você pergunta porque as músicas mais antigas dos Beatles são muito estranhas de serem escutadas em um fone de ouvido, aqui está a resposta. Claro que houve muita base para experimentação, e em Lizard isso não é diferente. Há claro momentos típicos, com os instrumentos de base (baixo e bateria) tomando o centro da mix, mas o álbum constantemente te puxa o tapete. Em várias situações a bateria toma apenas um canal, enquanto os instrumentos tomam o centro, há momentos em que cada instrumento está em uma caixa e até mesmo horas em que todos os elementos estão em apenas um lado. Isso acaba deixando tudo ainda mais imprevisível, criando uma estabilidade linda ao álbum, te deixando sempre atento. Mas assim como um circo, todas as apresentações menores estavam apenas te aquecendo para a atração maior, e nesse caso pode ser levado ao lado literal.
A música que fecha o álbum, Lizard é uma ópera de 23 minutos dividida em 4 partes. Muitos de vocês devem estar estranhando uma música de tamanho tempo, mas lhe asseguro que é algo bem mais comum do que parece. Muitas bandas de prog possuem algo do gênero (Close to the Edge do Yes e Dogs do Pink Floyd), e aqui é completamente justificado. Esses tipos de canções geralmente te levam em uma viagem e a lugares, deixando você diferente de como chegou. Lizard não é foge disso. Apesar de começar como Lady of the Dancing Water, algo bem mais leve e sereno, intensificado pela aparição especial de Jon Anderson (Yes), ela logo passa para uma parte improvisional psicodélica e desorientadora que, assim como o resto do álbum, faz você prestar atenção a cada segundo bizarro de sua duração. A maior parte da canção é experimental, tendo até um final em que aparece uma guitarra elétrica (algo raro para este álbum), com apenas os outros instrumentos fazendo performances mais minimalistas. Quando você pega para pensar o quanto você experienciou esse álbum, e talvez mesmo essa música, mostra o quão longe você está de quando você chegou.
Apesar de eu ter soltar vários elogios para a obra há algumas “críticas” a serem feitas. Se você tem pouca experiência ou não gosta de Rock Progressivo ou King Crimson, não vai ser Lizard que mudará as coisas. Ele é um álbum incrível e uma experiência única, mas não é para pessoas de fora, podendo fazer você até mesmo pegar ranço da banda ou do gênero. Se você se sentiu mais estranhado ou com preguiça de todos os detalhes que passei aqui nesse review, provavelmente seja melhor começar por outro lugar como Discipline ou até mesmo o clássico In the Court of the Crismson King. Mas apesar de sinalizar esse parágrafo como “crítica”, leve mais como um aviso.
Apesar de não poupar iniciantes e ter alguns problemas menores ali aqui, Lizard é um dos álbuns mais memoráveis do King Crimson, e uma adição importante a qualquer fã da banda e/ou de Prog.
Classificação: 9/10
Músicas que mais gostei: Lizard, Cirkus
Músicas que menos gostei: Lady of the Dancing Water
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Oinc Oinc
-O Porco