Ox Set for Paul — Babe the Blue Ox

Suíno Artístico
7 min readNov 19, 2021

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O texto a seguir foi escrito por Kleverson Royther e revisado por Suíno Artístico

Estava eu vagando Twitter afora outro dia desses quando Steve Silberman, um americano de sessenta e poucos anos com quem converso recorrentemente — que inclusive é cheio dos contatos, tem até um podcast com David Crosby, do Crosby Stills and Nash (and Young) — respondeu ao tweet de alguém que perguntava sobre grandes bandas de rock que deviam ser mais famosas do que realmente foram. Steve é deadhead (fã de Grateful Dead) assim como eu, com a diferença que ele realmente viu Jerry Garcia e participou do documentário Long Strange Trip sobre a banda no Amazon Prime. No geral, meu gosto e o dele são muito parecidos.

Estou dando esse contexto todo porque, nessa resposta ao tweet, ele escreveu “Babe the blue OX. Uma das mais inventivas e cabulosas bandas de sua era, e praticamente ninguém ouviu falar deles mesmo estando em uma grande gravadora. Prova: essa incrível música possui apenas 32 visualizações no momento deste tweet”. Normalmente eu não sou o maior fã de coisas obscuras demais (em parte porque eu sinto falta de ter com quem falar delas, mas pelo menos agora tem você lendo esse texto) mas raramente ele fala tão bem de uma banda e, conhecendo o gosto musical dele, eu sabia que seria uma boa sugestão.

A música que ele postou foi Shunpiking, desse álbum sobre o qual falarei aqui, um choque imediato! Nem terminei de ouvir e senti a urgência de ir conferir o álbum, a experiência completa! Julgando pelas bandas que Steve costuma ouvir (e eu também), eu imaginava que seria algo mais antigo — algum fruto do San Francisco Sound nos anos 60, sei lá — mas o álbum é de 2018. O único outro álbum da banda atualmente no Spotify é de 1998; nenhum single, mais nada! Eu só não esperava que esse álbum tivesse 76 músicas, organizadas alfabeticamente. Seria esse um álbum que vale por sete? Ou seria tudo a mesma música?

Antes de responder a essa pergunta, eu vou fazer meu dever de casa e pesquisar sobre a banda para te dar um contexto. Se você pesquisar o nome da banda no Google, vai descobrir que Babe the Blue Ox é o nome de uma subcelebridade folclórica que possui uma estátua nos EUA e acompanha um tal de Paul Bunyan (por isso o nome do álbum?). Para mais informações, tem que colocar “band” depois do nome: Babe the blue OX, ou BOX, é uma banda formada no Brooklyn em 1991 com uma página bem básica no Wikipedia que ainda nem cita o álbum de 2018. Mas aparentemente eles têm mais álbuns que não estão no streaming — três álbuns, três singles e um EP.

A banda é composta por Tim Thomas (guitarra), Rose Thomson (baixo) e Hanna Fox (bateria), com todo mundo no vocal. A página no Wikipedia diz que o marido de Fox foi adicionado como segundo baterista em 1998, mas não há sinais da presença dele nesse álbum aqui. Entretanto, se tem uma coisa dessa página com a qual eu concordo é a miríade de gêneros que o som da banda contempla, que vai de noise até pop rock melancólico dos anos 2000 passando por math rock, funk, punk e new wave com uma pegada irreverente e positivamente esquisitinha. É bem único mesmo o som. A propósito, já que entramos nessa parte de gêneros musicais, vou te privar das delongas e começar a falar do álbum.

Eu não sei se, com tanta variedade, 76 músicas e tracklist alfabética, esse álbum é o oposto ou a epítome de um álbum-conceito. Apesar dessa miscigenação musical toda, o som tem cheiro de anos 90 a torto e a direito com os pontos positivos e negativos que isso traz. O álbum tem um peso particular dessa época, o que seria ruim para mim — uma pessoa que torce o nariz para guitarras distorcidas em demasia e estética agressiva demais — mas aqui tudo está nos limites do aceitável. Obviamente, como as músicas variam muito entre si, a agressividade varia também. Mas na média eu diria que BOX é tão pesado quanto, sei lá, Primus.

Imagem da primeira formação da banda, com Tim Thomas(esquerda), Hanna Fox (centro) e Rose Thomson(direita)

Essa comparação com Primus vai mais longe um pouco, graças ao baixo que foi um grande destaque para mim! O baixista é dos bons, virtuoso quando cabe, agressivo quando precisa, mas sempre melódico! O timbre e posicionamento na mix é exageradamente parecido com o do Les Claypool, particularmente nos projetos paralelos tipo Frog Brigade e Oysterhead (duas ótimas sugestões pra ouvir, inclusive) com som mais estalado e um toque de saturação, apelando nos harmônicos e inclusive arriscando no baixo fretless. As linhas de baixo aqui, assim como as do Claypool, são bem mais relevantes para o arranjo das músicas do que um mero preenchimento das frequências graves e participam ativamente da construção do tema (escuta Spatula e me diz que não parece). Eu sou baixista, para quem não me conhece, e a abordagem do baixo nessa banda é realmente inspiradora, sendo destaque mesmo nas baladinhas espalhadas pelo álbum (vide Except).

Mas não é só o baixo que se destaca nesse álbum. O instrumental no geral é bem construído, os timbres da guitarra não são distorcidos ao ponto da descaracterização (na maioria das músicas, pelo menos) e, por mais costumeiro que seja ouvir linhas adicionais de guitarra mesmo em bandas com apenas um guitarrista, aqui elas dão um certo senso de atenção ao detalhe. Há alguns sons bem exploratórios e sessentistas vindo da guitarra também. Enfim, quando não é demasiadamente pesado, o som dela aqui é bem agradável de se ouvir.

A mix, também, é bem noventona e a bateria consolida essa visão. Na maioria das músicas, há aquele típico panning dos tons e pratos característico dos sons da época (embora eles não deixem de explorar outras técnicas também). Todos os instrumentos aparecem muito bem, mesmo com múltiplas camadas de guitarras e vozes. Para quem acompanha a indústria de produção musical, me remete muito ao tipo de som que o Lisciel Franco tira nos equipamentos analógicos dele.

As vozes, entretanto, são meio hit-or-miss. Há momentos genuinamente surpreendentes, como na própria Shunpiking em que o dueto traz uma sensação quase bucólica em cima de uma melodia suspensa e meio psicodélica. Em outros momentos, todavia, elas perdem personalidade (em particular quando cantam solo). Certamente haverá quem goste, mas sob a minha expectativa de ser uma banda super única, esses momentos eram bem o oposto.

A maioria desses momentos genéricos acontecem nas baladinhas pop, que parecem sair dos créditos de um filme do início dos anos 2000 (vide Basketball que, por algum motivo, é a única faixa com uma demo no álbum). Parece que cada membro teve total liberdade pra adicionar qualquer composição de sua autoria ao álbum e o resultado é uma indecisão alegórica entre o incrível e o mundano. Um pouco decepcionante, mas simultaneamente compreensível dado o comprimento do álbum, que poderia tornar cansativas as características dos sons mais marcantes da banda.

Afora esses casos, a banda realmente demonstra bastante diversidade nas demais faixas do álbum. Se Booty parece ter saído de um álbum do King Crimson, pouco depois temos Breathe, uma bela e calma canção cujo refrão te lembra que “você esqueceu de respirar, estúpido” e mais parece algo vindo do álbum Farmhouse do Phish. Além disso, ainda há muitas, como Axl, cujo instrumental me lembra Rage Against The Machine e consolidam a visão noventista que eu tenho sobre a vibe da banda. Em contrapartida, Panning For Sand é um instrumental bem “moody” que minha cabeça não conseguiu associar a nada. Tô falando, o som dos caras é diferente mesmo!

O álbum termina com seis músicas ao vivo (além de uma ou outra espalhada por aí), que são muito bem escolhidas e executadas. Nenhuma das músicas que eu critiquei estão nessa lista (será que a banda concorda comigo?) e apresentam algumas das facetas da sonoridade do álbum. Arrisco dizer que, se quiser ter uma noção superficial do som da banda, essas seis músicas valem — mas há certamente outras igualmente boas ao longo do álbum!

Eu nem vou arriscar entrar em cada música aqui, sob o risco de transformar este texto num livro que eu não topo escrever e nem você vai topar ler. E eu não sei se pegarei esse álbum para ouvir de cabo a rabo novamente, considerando que são mais de quatro horas de música (contraditório vindo de alguém que tem uma playlist de sete horas chamada “Que música era essa mesmo?”).

A verdade é que esse álbum não é ideal para esse tipo de consumo, acho que é mais um caso de “tem um pouco pra todo mundo”. Mas, com 4h15m de músicas dos mesmos artistas e todas raramente passando dos quatro minutos, a fatiga é inevitável. Para mim, é um ótimo álbum para pegar dele as músicas que você gosta e colocar em playlists ou deixar o Spotify te recomendar de vez em quando!

No geral, apesar das críticas dadas acima, eu saio desse álbum com uma boa impressão da banda e com a percepção de que esta é uma das descobertas atuais mais surpreendentes para mim. Há altos e baixos, certamente, mas as músicas boas são marcantes o suficiente para deixar as demais passarem batidas!

Classificação: 6/10

Músicas que mais gostei: Agent 6950, Panning For Sand, Mensy, Shunpiking, Last Stop Or…, Rube Goldberg

Músicas que menos gostei: Basketball, My Baby ’n’ Me, Resume, Self Evident, Sheila

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Written by Suíno Artístico

Olá estranho. Neste canto infortúnio da internet, há um porco fazendo resenhas de obras artísticas. Se isso não te estranha, bem-vindo e boa sorte

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