Sombras da Vida (2017)

Suíno Artístico
5 min readMar 18, 2022

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Esta resenha possui spoilers.

Sombras da Vida é um filme dramático dirigido e escrito por David Lowery (O Cavaleiro Verde) e é estrelado por Casey Affleck (Manchester à Beira-Mar) e Rooney Mara (Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres).

Após sofrer um acidente de carro, um homem(Casey Affleck) morre e vai à casa em que morava, e observa sua ex-mulher (Rooney Mara) do além.

Oh, é esse momento que estávamos todos esperando. Ou provavelmente só eu mesmo, mas independente, ele está aqui. Irei falar no blog de um filme cult da A24. Mas há alguns de vocês pensando: “que cacetes que você está falando?”. No caso, A24 é uma produtor de filmes independentes. Assim, talvez vocês não conheçam o nome por si só, mas certamente já devem ter ouvido falar de uns filmes dela, já que distribuiu alguns dos maiores sucessos indie que tivemos nessa geração, como Uncut Gems (2019), Lady Bird: A Hora de Voar (2017) e, talvez o mais comentado, Hereditário (2019). É até admirável o trabalho que a produtora faz, de colocar filmes independentes que, sob outras circunstâncias, nunca nem veriam a luz do dia. Mas há também seus críticos. Muitos dizem que os longas da distribuidora acabam sendo muito mais pretensiosos, onde nada acontece e são feitos para aquelas pessoas que ficam falando de paleta de cores e outras coisas do gêneros (vulgo o escritor deste post). Eu certamente já vi alguns filmes fantásticos, como o mencionado antes O Cavaleiro Verde (2021) e O Farol (2019), mas ao mesmo tempo há outros que simplesmente me senti indiferente, como Uncut Gems (2019) e O Vestido Maldito (2019), então é sempre um 50/50 quando vou ver algo deles. Então decidi pegar um dos primeiros dos quais ouvi falar, no caso Sombras da Vida.

O aspecto visual do filme bebe do suco minimalista que, quando bem feito sempre me puxa. Você consegue ver isso, tanto no cenário, que é bastante vazio, com poucos objetos em cena, até mesmo na maneira que o protagonista do longa, que apenas possui um lençol no corpo inteiro. A estética toda do filme é um dos meus aspectos favoritos dele. Esse tipo de produção costuma trazer consigo uma introspecção natural do espectador (apesar de isso também ser uma faca de dois gumes, como discutiremos mais tarde). Acredito que o fator da obra mais relevante ao assunto seria o aspecto 4:3, que é apresentado durante todo o longa. Para os leigos, este é o formato de televisão antiga e que tem predominado muito do cinema alternativo atual. Alguns outros exemplos modernos disso, são o anteriormente mencionado O Farol (2019), e, O Grande Hotel Budapeste (2014), dando atenção especial a este último, que constantemente muda de aspecto. Uma outra questão maravilhosa do filme é sua edição. O filme se passa durante muitos anos, e quando ele necessita de agilidade, a montagem e conexão de cada cena é extremamente ágil e dinâmica, que por muitas vezes até me impressionou neste aspecto técnico.

A aparência do fantasma no filme puxa muito do cliché do fantasma do lençol, para subverter a expectativa do público esperando uma história de terror.

O ritmo, no entanto, é algo em que minha opinião começa a ficar mista. A história não perde tempo, imediatamente definindo a premissa do filme e parte de seus conceitos. Isso, porém, também acaba dando um empecilho para a trama, atingindo a camada mais literal da questão. Eu possuo uma filosofia para filmes abstratos que é bem simples. O texto, a história do longa, deve possuir um chão além do subtexto, os temas e significados. Muitas vezes esses tipos de obras acabam se perdendo muito nas alegorias, e esquece da camada superficial do filme, o que faz perder muito de sua audiência. Alguns longas, como O Gabinete do Dr. Caligari (1920) e It’s Such a Beautiful Day (2012), fogem desta regra, mas para a maioria, eu levo sempre levo este detalhe em consideração. Infelizmente, Sombras da Vida peca neste aspecto. O longa quer que o espectador crie um vínculo com o casal, mas passa pouquíssimo tempo ao lado deles. Ele tenta criar um slice of life, uma obra que apenas mostra o dia a dia de pessoas sem grandes acontecimentos, mas é em tão pouco tempo que, quando você menos espera, o personagem de Casey Affleck já morre. Com esse vínculo fraco, a sequência seguinte, em que sua esposa, interpretada por Rooney Mara, passa pelo luto, perde quase que completamente seu impacto. Sua interpretação é fantástica, não entenda mal, e a execução da cena, com pausas longas com o intuito de deixar o espectador impactado, são perfeitas em teoria, mas por conta do que eu falei antes, eu acabo mais ficando frustrado e entediado aqui. E este quesito continua ao longo do filme. No momento em que abandonamos a dinâmica do luto (ao menos da contraparte feminina) e vamos para momentos relacionados ao próprio tema do filme, cada vez mais aumentando seu escopo, essas falhas também crescem junto.

Ao meu ver, o filme fala sobre a impermanência do tempo, e a superação humana que vem juntos de tragédias. Algumas das evidências para esta teoria seria, por exemplo, o fato de que o fantasma de Affleck parece estar preso ao terreno em que costuma morar, enquanto o tempo passa, chegando até mesmo em um nível de fazer um loop e observar o momento em que ele e sua esposa se mudaram para lá, algo muito similar ao conceito do limbo. Isso é reforçado com um fantasma da casa ao lado, que está esperando alguém não-especificado, e que quando percebe que ninguém vem, ele some. Isso é algo que poderia ser visto como ele largando essa obsessão, e “transcendendo”, com o personagem principal, em teoria, fazendo o mesmo ao final do filme. Resumindo as últimas 128 palavras em uma frase: “não fique preso no passado, cara”. No entanto, tudo isso é passado de forma bastante amadora. Ao olho mais esperto, tudo isso é notável e deduzível já de cara, e o resto do simbolismo também vai por este caminho, com atenção especial a um personagem que praticamente explica o conceito do filme para algumas pessoas em uma festa e, naturalmente, para o espectador. Acho que ele poderia ser considerado o cinéfilo do rolê. Toda a escolha estética, por mais que ela me agrade, quanto a execução do enredo são muito mais remetentes a um filme de estudante, que não possui tanta confiança nas próprias ideias, e por conta disso acaba que o produto final fique bastante menos engajador.

Apesar de vários elementos a seu favor, Sombras da Vida acaba sendo mais pretensioso do que necessariamente ponderativo, mesmo tendo temas bastante interessantes.

Classificação: 5/10

A próxima resenha que estarei fazendo é sobre o álbum Cartola (1976). Tem alguma recomendação de álbum ou filme? Solta aí nos comentários!

Oinc Oinc
-O Porco

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Written by Suíno Artístico

Olá estranho. Neste canto infortúnio da internet, há um porco fazendo resenhas de obras artísticas. Se isso não te estranha, bem-vindo e boa sorte

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