Cartola (1976)
Cartola II, ou como é mais conhecido Cartola (1976), é o segundo álbum de estúdio do sambista Cartola. O disco foi distribuído pela Discos Marcus Pereira.
Conhecido como uma lenda do samba, Angenor de Oliveira (vulgo Cartola) foi um cantor, compositor, poeta e violinista do Rio de Janeiro. Apesar do músico ter crescido nos bairros Catete e Laranjeiras, sua família teve de mudar para o Morro da Mangueira. Foi lá que conheceu Carlos Cachaça, que lhe introduziu à vida boêmia, a da malandragem e, o mais importante, ao samba. Após a morte de sua mãe, o artista abandonou a escola e conseguiu um emprego como servente de obra. Lá, para se proteger das quedas de cimento que ocorriam, ele usava um chapéu-coco, fazendo com que todos o apelidassem de Cartola, a origem de seu nome artístico. Junto com outros músicos do morro, ele montou o Bloco dos Arengueiros, onde começou a compor com músicos como Araci de Almeida, Carmen Miranda e Francisco Reis. Em 1974, aos seus 66 anos, ele gravou o primeiro dos quatro álbuns de sua carreira solo que decolaram sua popularidade.
Faz um tempo desde que mencionei da minha saga de ampliar meu gosto musical brasileiro, e devo dizer que tenho progredido muito bem. Desde a minha resenha de Native Dancer, eu ouvi vários álbuns nacionais, como o disco solo do Lô Borges, o primeiro álbum dos Mutantes e O Milagre dos Peixes de Milton Nascimento. Por conta disso, a minha playlist diária sempre aparece alguma coisa brasileira ali e aqui, então devo dizer que esta jornada está indo muito bem. Mas um que sempre tive curiosidade foi o senhor Cartola. Sempre que falo com alguém sobre músicos nacionais, ele me é recomendado como uma lenda do samba e um ótimo letrista. No entanto, o que certamente me puxou atenção foi quando, em uma aula de percussão que eu fazia, me contaram que a idade com que ele gravou o seu primeiro disco, como você leu anteriormente. E, considerado o impacto em que ele teve, é algo muito impressionante. Então peguei para ouvir o chapéuzinho, e ver tudo que ele tinha para me mostrar.
Acho que a primeira coisa a se notar é como tudo da obra é bastante simples, sendo isso de forma alguma algo negativo. A maioria das coisas que ouço ou faço resenha possuem uma enorme gama de instrumentos, com um jogo de melodias entre cada, e uma energia quase incessante. Aqui, não. Há o Cartola, seu violão, algumas percussões, uma voz feminina em alguns cantos, como em A Sala da Recepção e Ensaboa Mulata, e é isso. A estrutura das canções não é um mistério, com o típico verso-verso-refrão. A mixagem não é nada muito diferente do que se espera, com algumas exceções tipo em O Mundo é um Moinho, que separa em um canal a voz e na outra o violão. Mas novamente, não precisa ser. Todos esses elementos juntos podem até não impressionar de um ponto de vista técnico, mas é exatamente eles serem do jeito que são que traz uma intimidade ao disco todo. Você sente que está sentado em uma roda de samba com o próprio Cartola participando, e isso é uma experiência poucos álbuns conseguem tirar de mim. Tudo isso parece que fica velho eventualmente, mas com seus humildes trinta e seis minutos, o disco não fica mais do que tem que ficar, mais tentando ser um salgadinho de festa, do que um bolo. Assim, um salgadinho de festa caseiro com os melhores ingredientes.
Mas acho que pra mim, e a maioria das pessoas que já comentaram a respeito do homem, o que mais chama atenção seja toda a letra e a poesia das canções. Eu sou uma pessoa que não costuma prestar muita atenção a essas coisas na música, já que tenho tendência de ouvir mais a melodia da voz junto dos outros instrumentos. Mesmo assim, as que costumo gostar geralmente são extremamente absurdistas, como em Murder of the Universe ou canções da Ana Frango Elétrico, que possuem mais um jogo de palavra do que necessariamente um significado. Cartola no entanto é um caso a parte. Se a poesia dele não te atinge, há algumas possibilidades. Algumas delas seriam a deque você não sofreu na vida, ou você não vai ao bar o suficiente, ou você não é brasileiro. De maneira sucinta, o álbum traz muitos sentimentos da vida e cultura boêmia, que tanto seu escritor, como vários românticos desiludidos vivem, apenas a cerveja e o samba sendo as coisas importante na vida. Mas não só de breja vive o homem, pois ele também possui as surras que ele toma, tanto da vida quanto do amor, que apenas a escrita de Cartola consegue passar tão efetivamente. Talvez este elemento poético que sua música possui seja meu aspecto favorito de todo o álbum.
Mas infelizmente, nem todos os salgadinhos aqui são fenomenais. Como mencionei antes, as canções começam a ficar um pouco mais enjoadas para o final. Seria pouco genuíno se não mencionasse que algumas delas como As Rosas Não Falam e Meu Drama que ficaram bastante esquecíveis para mim, já que acabavam se misturando com as demais músicas,, por conta dos temas das letras e a estruturas das melodias serem muito próximas. Se o disco fosse maior, certamente atrapalharia perderia fôlego no final mas, como eu disse antes, com um tempo tão curto, é apenas um defeito dentro de uma obra tão fascinante. Uma outra canção que certamente dá uma pecada grande, e talvez a única faixa que me descreveria como “desconfortável”, sendo ela Ensaboa Mulata. Este disco tem vinte e seis anos, então obviamente há coisas que não envelhecem bem, independente do aspecto discutido. Esta faixa possui os problemas que mencionei antes, mas há também a questão da linguagem em si que é usada. Cartola faz um uso bem liberal da palavra “mulata” na canção, e isso me puxou completamente fora da música. Poderia ser uma crítica social, já que é associado o termo com alguém que está lavando roupa e seria relacionado à relação que famílias ricas e brancas tinham seus serventes negros, mas plausivelmente posso estar vendo demais. Independente, é importante avisar para não ser pego de surpresa.
Cartola (1976), apesar de possuir detalhes que o prendem à época que foi feito, é uma obra fantástica que todo brasileiro deveria ouvir.
Classificação: 8/10
Músicas que Mais Gostei: O Mundo é um Moinho, Preciso Me Encontrar, Aconteceu
Músicas que Menos Gostei: Ensaboa Mulata, Meu Drama
Cartola(1976) está disponível em todas as plataformas de Streaming
A próxima resenha que estarei fazendo é sobre o filme Ben-Hur de 1959. Tem alguma recomendação de álbum ou filme? Solta aí nos comentários!
Oinc Oinc
-O Porco